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“Só a experiência própria é capaz
de tornar sábio o ser humano.”
(Sigmund Freud)

As Identificações

Postado por admin em 13/jun/2018 - Sem Comentários

 “O significante repudia a categoria de eterno e, no entanto….   Ele é por si mesmo… ele participa deste nada a partir de onde a ideia criacionista nos diz que algo absolutamente original foi feito ex-nihilo? …uma vez surgida esta criação, ela se articula pela nomeação do que é. Não está aí a criação em sua essência?[2]

Há muitos vieses a serem tomados na leitura deste seminário, a que proponho procura recortar a questão da Falta como ordenadora das funções do aparelho e seus desdobramentos enquanto recursos da estrutura.

Venho tentando pensar as diferentes formas que a Falta pode vir a se apresentar: como o Buraco puro e simples, vazio de significante enquanto função o qual encontramos em estruturas muito prejudicadas, o Falso Furo, conjunto de 2 círculos dobrados um sobre o outro e o Furo Verdadeiro que em topologia é chamado de toro.

Usualmente, em um discurso gramatical articulado com palavras, não intuitivo, dizemos que o sujeito está entre significantes, este entre é o lugar do sujeito, arcabouço das identificações, o Nada da segunda identificação, mas este Nada se equivale ao S1 traço unário, suporte das identificação.

Todo o seminário das Identificações é atravessado pela questão da Falta e um dos recursos que Lacan usa é topologia, tentando mostrar por ai o que chamou de objeto @. E toma o toro, figura topológica que vai usar para tornar intuitiva a percepção dos vazios e enodamentos necessários para configurar a falta enquanto função.

Lacan, referindo-se ao Toro fala de círculos, de campos que não se identificam, ao que dá o nome de Diferença Simétrica, a não-simetria destes campos é nomeada de auto diferença e que pode ser representada pela figura do oito interior, para enfim nos mostrar que os dois círculos que formam a figura do oito interior estão em continuidade, não havendo interior e exterior, há reviramento, desdobramento.

Lacan diz que o trabalho que está se dando através destas figuras intuitivas, toros e superfícies, é ter como modelo o privilégio essencial do Buraco-Central, e assevera: “da esfera ao toro traçado de um sujeito”.

O corpo pensado miticamente é uma esfera, fechado, mas a linguagem que de início já é real e simbólica, furada, transporta o furo que lhe é própria, fura este corpo, e ai intuímos o surgimento de alças que no seu conjunto podemos chamar de Toro.

O toro é uma forma de superfície não esférica, de uma lógica elástica flexível, deformável, mas que permanece em relação constante com o furo. Talvez fosse conveniente associar estas imagens ao conceito de pulsão, corpo furado, cheio de alças, que foge de seu recorte biológico, e uma vez furado pela palavra do Outro, Outro barrado, toma infinitos recortes e nodulações, “as pulsões são no corpo o eco de que há um dizer”[3].

A figura do Toro vista pela lateral é basicamente um anel, círculo vazio, que faz do Toro uma estrutura furada, que se constitui graficamente por círculos, onde vão se inscrever relações fundamentais: @, diferentes formas de referência da falta, desejo “d”, demanda “D”, e o falo em sua vertente real enquanto vazio, e convém tomá-lo também enquanto instancia fálica, que inclui o Outro, ao qual devemos as faltas que nos colocam em tensão.

Lacan faz uso do toro para pensar a estrutura pela via matemática, no dicionário vamos encontrar que a topologia é um ramo da matemática, que estuda certas propriedades de figuras geométricas, entre estas estão aquelas que não variam quando a figura se deforma, como o toro, porque a referência é em relação ao furo, aí a lógica da borracha que fala Lacan.

Uma esfera e um cubo podem se transformar um no outro, mas a esfera e um toro não, porque a referência é diferente, no caso da esfera e do cubo a superfície é finita, fechada, há dentro e fora, a distância do seu centro é constante e redutível a um ponto, que se chama raio, seus cortes planos são círculos e não anéis. Já o toro, é uma estrutura que não define um interior e um exterior, suas referências são os furos, as alças, portanto não é redutível a um ponto, seus pontos de referência são os furo.

No toro, encontramos 2 tipos de círculos que possuem as mesmas propriedades que o caracterizam, um desse círculos é aquele que atravessa o buraco e passa pelo outro lado do buraco, o outro círculo é o que lhe dá voltas. Ambos os círculos não definem um interior e um exterior, a faixa que produzem ao serem cortados, define um gênero de superfície que por hora me parece ser a Banda de Moebius.

Mas afinal, qual seria a origem do Furo, pensando topologicamente?

Se fizermos dois cortes na base única do toro vemos aparecer a diferença simétrica, o campo de intersecção não existe no toro. Definimos sua estrutura simétrica como dois campos que não podem reunir-se, não podem servir a função de ou. Ou., função de multiplicação de si mesmo. A intersecção é o não campo, que define por sua vez o objeto @, em resumo: o não campo é o que não especulariza, assim posto este não campo pode ser representado pelo oito invertido, dois campos que estão em continuidade, que retornam a si mesmo no interior de si mesmo, se identifica a si mesmo[4].

De forma bem rápida, vamos fazer um percurso, partindo dos círculos de Euler para tentar chegar ao Toro.

Originalmente tais círculos serviam para explicar o silogismo, dedução formal, onde posta duas proposições tirava-se uma terceira, que era a conclusão.

Estes dois círculos são chamados círculos que se recortam e em torno deles podem se articular duas relações, de “U” união e de “intersecção”, não é a mesma coisa somar ou reunir.

A reunião é composto por elementos que pertencem ao menos a um do conjuntos, na “intersecção”, dois ou mais elementos do conjunto são relacionados, pertencem simultaneamente aos dois conjuntos[5].

O que importa para nós é que nesta zona de intersecção se dá a zona de extração, que é a subtração da zona de união, menos a de intersecção ficando como resto, extração, que Lacan chama de diferença simétrica.

Isto é importante, a diferença simétrica nos círculos de Euler define um “ou” de exclusão, não no sentido alternativo, pois se alternativo se aplicaria ao campo de reunião, o “ou. Ou” aqui é exclusivo, A ou B, o campo de intersecção está excluído.

Do vel “ou…ou” alternativo, passamos intuitivamente ao anel ou tubo “ou…ou” exclusivo. Os círculos de Euler contém um furo, mas também contém um dentro e um fora, e por isso ele não serve para pensarmos o toro, mas o oito interior vem em nosso auxilio, o círculo interior não toca o limite do círculo exterior, ele continua e se reencontra, os dois círculos estão em continuidade e portanto não há dentro e fora.

Aqui podemos introduzir o significante enquanto função:

Convém iniciar lembrando que o significante não pode significar-se a si mesmo, a não ser que se coloque como diferente de si, e é isso que vamos encontrar em toda a estrutura subjetiva do sujeito A é diferente de A, ao ser retomada uma segunda vez, A não é o mesmo A, a negação intervém e a exclusão também. A letra A em sua apresentação repetida só é significada quando posta uma primeira vez e uma segunda vez, A não é o mesmo A, isso se dá em torno do conceito de disjunção e um certo conceito de negação, que é por onde a linguagem pode vir a se enodar.

Lacan, chama a atenção que os objetos que se apreendem na sua auto diferença, A diferente de A, não especularizam, e é para isso que os círculos do toro servem, para nos dar um suporte intuitivo da constituição do desejo em que o objeto @, num duplo laço, conjuga ambos.

Objeto @, Causa, na qual o sujeito se identifica, de forma ligeira seria o mesmo que dizer, S1, traço unário, suporte da identificação.

Vamos imaginar dois tipos de laços circulares, o vazio interior ou buraco central e o círculo interior. O que gira em torno do círculo gerador do toro, que é o vazio ou buraco interior, esta dimensão central constitui o objeto@, que se repete infinitamente e representa a insistência repetitiva e a insistência significativa.

“…eu te peço, que recuses, o que te ofereço… por que, porque não é isso…. Porque isso é o objeto @.

O objeto @ não é nenhum ser, é aquilo que supõe de vazio um pedido…. Um desejo sem outra sustância que não a que se garante pelos próprios nós”[6].

Isso nos permite entender que a demanda traz em seu bojo a marca do vazio. Este vazio, não é simplesmente um buraco real cavado no simbólico, ele implica um trabalho de construção, pois sabemos que ela, a Falta, pode faltar.

O significante é antes de tudo uma falta no Outro, que induz um afastamento entre um e outro significante, efeito de linguagem. O significante S2 representa um significante S1, traço recalcado, o S2 o substituí e arrasta consigo as marcas do objeto abandonado.

Parece ser esta a boa direção da clínica, não se trata de ficar no furo, mas ai referenciar-se para o exercício da sublimação. “… um novo recomeço, que sempre recomeça…[7]”

Uma palavra sobre o traço

O significante se inscreve por uma certa noção de negatividade e de exclusão, o que se inscreve então é a diferença, ai uma inscrição mínima do sujeito, neste traço, ele se diferencia, passa a se contar, antes dessa diferença está tudo incluso. Lacan: “… o sujeito inventa o significante a partir de alguma coisa, que já está lá para ser lido”, entendo o traço.

Aqui se mostra a questão da identificação que dá título a este seminário, representação de um objeto que pela diferença, se representa sobre um fundo de ausência, a qual o sujeito se identifica, identificação que o sustenta, pois idêntica ao sujeito.

Um último chamamento que a mim fez muito questão: quando escutamos na clínica que o objeto não está de fato integrada a demanda, ou seja: quando escutamos que não há consistência nem na demanda nem no desejo e isso é bastante comum, Lacan nos chama a atenção que o que pode se passar aí, neste tipo de círculo, é que há falha na sinuosidade das curvas, os laços são muito próximos, insuficientes para produzirem alças. O oposto, se encontra em um outro tipo de círculo, equivalente ao oito interior, em que as curvas fazem as vezes de alças que representam a reduplicação, a reiteração da demanda, comportando este campo de diferença entre si, de auto diferença, dimensão constituída pelo vazio do desejo. Furos.

Não é por nada que Lacan vai interessar-se cada vez mais por essa variedade de buracos, que se mostram através de diferentes ordenações do Nó Borromeu e vem interrogar a clínica, e talvez responder desde um real mais condizente com o próprio discurso analítico.

“Não se sabe nada sobre o Outro, a questão é: como levar o sujeito a inventar o significante a partir de alguma coisa que já está lá para ser lida”.

Isto sim, é uma questão.

Ficamos por aqui.

Vera Tubino

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